quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Um carvalho da Canárias que nunca foi a Tenerife...

O carvalho-de-monchique é mais um dos nossos carvalhos autóctones cujo nome científico - Quercus canariensis - lhe foi atribuído devido a um equívoco.

O "culpado" foi, novamente, o botânico alemão Carl Ludwing von Willdenow. Ao descrever esta espécie com base em exemplares secos de herbário, não pode comprovar in loco a origem dos espécimes, tal com lhe tinha sucedido aquando da classificação do carvalho-negral.

Carvalho-de-monchique (Quercus canariensis)

Por erro próprio, ou por confiar na indicação da etiqueta que referia a proveniência da ilha de Tenerife, no arquipélago das Canárias, atribuiu-lhe o epíteto "canariensis", apesar desta espécie não ocorrer naquelas ilhas.

Mas esta história poderá ainda ter um outro "responsável" e nem tudo é "culpa" de Carl Willdenow. É que as amostras foram herborizadas, e provavelmente incorretamente etiquetadas, pelo médico e naturalista francês Pierre Marie Auguste Broussonet.

Carl Ludwing von Willdenow (1765-1812) - fonte "Wikipédia"

Na verdade, os espécimes eram provenientes de Marrocos. E assim, em vez de Quercus canariensis talvez lhe tivesse sido atribuída uma designação mais árabe ou africana!

Apesar deste equívoco, atualmente aceita-se a designação Quercus canariensis Willd. (1809).

Pierre Marie Auguste Broussonet (1761-1807) - fonte "histoire-medecine.fr"

Mas esta espécie é também referida com outras designações. Na "Flora de Portugal", de António Xavier Pereira Coutinho, surge como Quercus salzmanniana. Ainda não descobrimos a origem do epíteto "salzmanniana" atribuído em 1935... teremos que investigar um pouco mais.

Um outro nome, atribuído em 1864, é Quercus lusitanica subsp. baetica, considerando este carvalho como uma subespécie de carvalho-cerquinho. Talvez a origem deste nome se deva ao facto da folha apresentar algumas semelhanças com a do carvalho-cerquinho (Quercus faginea, mas anteriormente designado Quercus lusitanica) e se distribuír principalmente na Andaluzia ocidental, junto às montanhas dado "Sistema Bético".

Carvalho-cerquinho (Quercus faginea atualmente, mas anteriormente Quercus lusitanica)

Nome científico: Quercus canariensis Willd. (1809).
Sinónimos: Quercus salzmanniana Webb (1935); Quercus lusitanica subsp. baetica Webb (1864)

Nomes comuns: Carvalho-de-monchique, carvalho-das-canárias, carvalheira* (português);
    Quejigo, quejigo andaluz, roble andaluz (castelhano);
    Roure africà, roture africà - este último nome surge em "Flora Ibérica", mas pensamos ser um erro de impressão, sendo correto o termo para carvalho "roure" (catalão).

* No concelho de Monchique surge a designação "carvalheira" para esta árvore.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Um carvalho "pirenaico" que é escasso nos Pirenéus... porque será?

A duas das espécies de carvalhos autóctones portuguesas - o carvalho-negral e o carvalho-de-monchique - foram-lhes atribuídos nomes científicos bastante curiosos, respetivamente, Quercus pyrenaica e Quercus canariensis

Ao primeiro, Quercus pyrenaica, associamos que seja abundante nos Pirenéus, e o nome do segundo, Quercus canariensis, leva-nos numa "viagem" até às ilhas Canárias.

Pois nem uma coisa nem outra está correta. Apesar do carvalho-negral ser uma árvore comum em zonas montanhosas do centro e norte da Península Ibérica, a sua presença nos Pirenéus é muito escassa. Quanto ao carvalho-de-monchique, nem sequer ocorre naturalmente no referido arquipélago.

Então, de onde vêm estas confusões? A resposta é relativamente simples... vamos desvendar os "culpados".

Carvalho-negral (Quercus pyrenaica

O nome científico do carvalho-negral foi atribuído pelo botânico alemão Carl Ludwing von Willdenow em 1805 e por isso a correta designação é Quercus pyrenaica Willd. (1805).

No entanto, este botânico não se baseou em observações desta espécie na natureza, mas apenas a partir de exemplares secos de herbário que (não sabemos porquê) lhe chegaram, provavelmente com muitos outros exemplares de outras espécies, com um etiqueta que referia a proveniência Pirenéus, sendo essa a muito provável origem desta confusão.

Na literatura científica, o carvalho-negral surge também com uma designação mais antiga - Quercus toza Bosc - mas este nome nunca foi publicado de um modo válido, tendo sido utilizado inicialmente num trabalho relativo ao surgimento dos "bugalhos" nesta espécie. Ainda assim, é este o nome que consta na grande obra "Flora de Portugal" de António Xavier Pereira Coutinho.

Imagem obtida de "oportunityleiloes"

Porque terá sido sugerido o nome "toza" para o carvalho-negral?

Apesar de não teremos sido capazes de encontrar nenhuma referência à origem desta designação, pusemos "mãos-à-obra" e encontramos o seguinte no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa:

"tosa": Ação de cortar rente.
"tosar" (do latim tonsare): Cortar a rama das árvores, arbustos ou quaisquer plantas.

Imagem obtida de "custojusto"

Realmente, uma das caraterísticas marcantes do carvalho-negral é a sua enorme capacidade de regeneração após o corte. Provavelmente, talvez seja esta a origem de "toza".

Quanto à atribuição do nome Quercus canariensis para o carvalho-de-monchique...ficará para o próximo post

Folhas e bolota de carvalho-negral

Nome científico: Quercus pyrenaica Willd. (1805)
Sinónimos: Quercus toza

Nomes comuns: Carvalho-negral, carvalho-pardo-das-beiras, carvalho-da-beira, carvalho-pardo-do minho (português)*;
    Melojo, marojo, roble negro, roble negral, rebollo, curco villano, tocio, tozo (castelhano);
    Carballo negro, cerqueiro, cerquiño (galego);
    Reboll, roure reboll (catalão);
    Ametza, ametz arrunta (basco).

* Apesar de não existir na bibliografia, já ouvimos a designação "carvalho-ferral". Numa rua de uma aldeia do concelho de Penamacor - Meimoa - existe a toponímia "Rua do carvalho ferral".